Por Vinicius Carvalho da Silva
Artigos: http://www.artigonal.com/authors_200402.html

"Sobre todas as coisas"

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009


Garotos II - O Outro Lado

Leoni



Seus olhos e seus olhares

Milhares de tentações

Meninas são tão mulheres

Seus truques e confusões

Se espalham pelos pêlos

Boca e cabelo

Peitos e poses e apelos

Me agarram pelas pernas

Certas mulheres como você...Me levam sempre onde querem...Garotos não resistem...Aos seus mistérios...Garotos nunca dizem não... Garotos como eu... Sempre tão espertos...Perto de uma mulher...São só garotos...Seus dentes e seus sorrisos...Mastigam meu corpo e juízo...Devoram os meus sentidos...Eu já não me importo comigo...Então são mãos e braços...Beijos e abraçosPele, barriga e seus laços...São armadilhas e eu não sei o que faço...Aqui de palhaço...Seguindo seus passos...Garotos não resistem...Aos seus mistérios...Garotos nunca dizem não...Garotos como eu sempre tão espertos...Perto de uma mulher...São só garotos....São só garotos....Se espalham pelos pêlos...Boca e cabelo...Peitos e poses e apelos...Me agarram pelas pernas...Certas mulheres como você...Me levam sempre onde querem...Garotos não resistem...Aos seus mistérios...Garotos nunca dizem não...Garotos como eu...Sempre tão espertos...Perto de uma mulher...Garotos não resistem...Aos seus mistérios...Garotos nunca dizem não...Garotos como eu...Sempre tão espertos...Perto de uma mulher...São só garotos...Perto de uma mulher...São só garotos...Perto de uma mulherSão só ... garotos...


Morte e Vida Severina


Joao Cabral de Melo Neto
— O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias.

...Mais isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria. Como então dizer quem falo ora a Vossas Senhorias? Vejamos: é o Severino da Maria do Zacarias, lá da serra da Costela, limites da Paraíba...

...Mas isso ainda diz pouco: se ao menos mais cinco havia com nome de Severino filhos de tantas Marias mulheres de outros tantos, já finados, Zacarias, vivendo na mesma serra magra e ossuda em que eu vivia...

Somos muitos Severinos iguais em tudo na vida: na mesma cabeça grande que a custo é que se equilibra, no mesmo ventre crescido sobre as mesmas pernas finas e iguais também porque o sangue, que usamos tem pouca tinta.

E se somos Severinos iguais em tudo na vida, morremos de morte igual, mesma morte severina: que é a morte de que se morre de velhice antes dos trinta, de emboscada antes dos vinte de fome um pouco por dia (de fraqueza e de doença é que a morte severina ataca em qualquer idade, e até gente não nascida)...

Morte e Vida Severina


Joao Cabral de Melo Neto


"...E não há melhor resposta que o espetáculo da vida:vê-la desfiar seu fio,que também se chama vida,ver a fábrica que ela mesma,teimosamente, se fabrica,vê-la brotar como há poucoem nova vida explodida;mesmo quando é assim pequenaa explosão, como a ocorrida;mesmo quando é uma explosãocomo a de há pouco, franzina;mesmo quando é a explosãode uma vida severina."

Rosa de Hiroshima


Vinicius de Morais

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas, oh, não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa, sem nada

Samba do Avião


Tom Jobim

Minha alma cantaVejo o Rio de JaneiroEstou morrendo de saudadesRio, seu marPraia sem fimRio, você foi feito prá mimCristo RedentorBraços abertos sobre a GuanabaraEste samba é só porqueRio, eu gosto de vocêA morena vai sambarSeu corpo todo balançarRio de sol, de céu, de marDentro de mais um minuto estaremos no Galeão
chegandoE vamos nósPousar...

Sampa


Caetano Veloso
Foto: Vinicius Carvalho da Silva


Alguma coisa acontece no meu coração Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas
Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Sampa


Caetano Veloso


Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas
Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva
Pan-Américas de Áfricas utópicas,
túmulo do samba
Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa

A Ciência em Si


Gilberto Gil

Se o que se pode ver, ouvir, pegar, medir, pesar
Do avião a jato ao jaboti
Desperta o que ainda não, não se pôde pensar
Do sono do eterno ao eterno devir
Como a órbita da terra abraça o vácuo devagar
Para alcançar o que já estava aqui
Se a crença quer se materializar
Tanto quanto a experiência quer se abstrair
A ciência não avança
A ciência alcança
A ciência em si

Maracatu Atômico


Gilberto Gil

O bico do beija-flor,

beija-flor,beija-flor

E toda fauna flora grita de amor

Quem segura o porta-estandarte

tem a arte

E aqui passa com raça

eletrônico o maracatuatômico

Atrás do arranha-céu

temo céu, tem o céu

E depois tem outro céu sem estrelas Em cima do guarda-chuva

tema chuva, tem a chuva

Que tem gotas tão lindas

queaté dá vontade de

Comê-las

No meio do couve-flor tema flor,

tem a flor

Que além de ser uma flor

tem sabor
Dentro do porta-luvas tem a luva,tem a luva

Que alguém de unhas negras e tão afiadas

Esqueceu de por
No fundo do pára-raio temo raio, tem o raio
Que caiu da nuvem negra do temporal
Todo quadro-negro é todo negro é todo negro
Eu escrevo seu nome nele sópra demonstrar
O meu apego

Minha ideologia, Minha religião


Gilberto Gil


Minha ideologia é o nascer de cada dia
E minha religião é a luz na escuridão

Esotérico


Gilberto Gil

Não adianta nem me abandonar
Porque mistério sempre há de pintar por aí
Pessoas até muito mais vão lhe amar
Até muito mais difíceis que eu prá você
Que eu, que dois, que dez, que dez milhões,
todos iguais
Até que nem tanto esotérico assim
Se eu sou algo incompreensível,
meu Deus é mais
Mistério sempre há de pintar por aí
Não adianta nem me abandonar (não adianta não)
Nem ficar tão apaixonada, que nada
Que não sabe nadar
Que morre afogada por mim

Terra


Caetano Veloso
Foto: Milton Santos

Quando eu me encontrava preso
Na cela de uma cadeia
Foi que vi pela primeira vez
As tais fotografias
Em que apareces inteira
Porém lá não estavas nua
E sim coberta de nuvens...
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?...
Ninguém supõe a morena
Dentro da estrela azulada
Na vertigem do cinema
Mando um abraço prá ti
Pequenina como se eu fosse
O saudoso poeta
E fosses a Paraíba...
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?...
Eu estou apaixonado
Por uma menina terra
Signo de elemento terra
Do mar se diz terra à vistaT
erra para o pé firmezaT
erra para a mão carícia
Outros astros lhe são guia...
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?...
Eu sou um leão de fogo
Sem ti me consumiria
A mim mesmo eternamente
E de nada valeriaA
contecer de eu ser gente
E gente é outra alegria
Diferente das estrelas...
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?...
De onde nem tempo, nem espaço
Que a força mãe dê coragem
Prá gente te dar carinho
Durante toda a viagem
Que realizas do nada
Através do qual carregas
O nome da tua carne...
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?...
Na sacada dos sobrados
Da velha são Salvador
Há lembranças de donzelas
Do tempo do Imperador
Tudo, tudo na Bahia
Faz a gente querer bem
A Bahia tem um jeito...
Terra! Terra!
Por mais distante
O errante navegante
Quem jamais te esqueceria?
Terra!

quinta-feira, 17 de dezembro de 2009

As Palavras


Pablo Neruda

... sim senhor, tudo o que queira, mas são as palavras as que cantam, as que sobem e baixam... Prosterno-me diante delas... Amo-as, uno-me a elas, persigo-as, mordo-as, derroto-as... Amo tanto as palavras...as inesperadas... As que avidamente a gente espera, espreita até que de repente caem... Vocábulos amados... Brilham como pedras coloridas, saltam como peixes de prata, são espuma, fio, metal, orvalho... Persigo algumas palavras... São tão belas que quero colocá-las todas em meu poema... Agarro-as no vôo, quando vão zumbindo, e capturo-as, limpo-as, aparo-as, preparo-me diante do prato, sinto-as cristalinas, vibrantes, ebúrneas, vegetais, oleosas, como frutas, como algas, como ágatas, como azeitonas... E então as revolvo, agito-as, bebo-as, sugo-as, trituro-as, adorno-as, liberto-as... Deixo-as como estalactites em meu poema, como pedacinhos de madeira polida, como carvão, como restos de naufrágio presentes da onda...

Pablo Neruda
Confesso que Vivi – no capítulo “As palavras”.

Sobre Todas as Coisas


Chico Buarque de Hollanda
Edu Lobo

Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado,
desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado
pelo amor de Deus
Ao Nosso Senhor
Pergunte se Ele produziu
nas trevas o esplendor
Se tudo foi criado - o macho, a fêmea, o bicho, a flor
Criado pra adorar o Criador
E se o Criador
Inventou a criatura por favor
Se do barro fez alguém com tanto amor
Para amar Nosso Senhor
Não, Nosso Senhor
Não há de ter lançado em movimento terra e céu
Estrelas percorrendo o firmamento em carrossel
Pra circular em torno ao Criador
Ou será que o deus
Que criou nosso desejo é tão cruel
Mostra os vales onde jorra o leite e o mel
E esses vales são de Deus
Pelo amor de Deus
Não vê que isso é pecado,
desprezar quem lhe quer bem
Não vê que Deus até fica zangado vendo alguém
Abandonado pelo amor de Deus

Espatódea


Nando Reis

Minha cor
Minha flor
Minha cara
Quarta estrela
Letras, três
Uma estrada
Não sei se o mundo é bom
Mas ele ficou melhor
Quando que você chegou
E perguntou:Tem lugar pra mim?
Espatódea
Gineceu
Cor de pólen
Sol do dia
Nuvem branca
Sem sardas
Não sei se o mundo é bom
Mas ele ficou melhor
Quando que você chegou
E explicouO mundo pra mim
Não sei se esse mundo está são
Mas pro mundo que eu vim já não era
Meu mundo não teria razão
Se não fosse a Zoé
Espatódea
Gineceu
Cor de pólen
Sol do dia
Nuvem branca
Sem sardas
Não sei quanto o mundo é bom
Mas ele está melhor
Desde que você chegou
E explicou
O mundo pra mim
Não sei se esse mundo está são
Mas pro mundo que eu vim já não era
Meu mundo não teria razão
Se não fosse a Zoé

Relicário

Nando Reis

É uma índia com colar
A tarde linda que não quer se pôr
Dançam as ilhas sobre o mar
Sua cartilha tem o A de que cor?
O que está acontecendo?
O mundo está ao contrário e ninguém reparou
O que está acontecendo?
Eu estava em paz quando você chegou
E são dois cílios em pleno ar
Atrás do filho vem o pai e o avô
Como um gatilho sem disparar
Você invade mais um lugar
Onde eu não vou
O que você está fazendo?
Milhões de vasos sem nenhuma flor
O que você está fazendo?
Um relicário imenso deste amor
Corre a lua porque longe vai?
Sobe o dia tão vertical
O horizonte anuncia com o seu vitral
Que eu trocaria a eternidade por esta noite
Porque está amanhecendo?
Peço o contrario, ver o sol se por
Porque está amanhecendo?
Se não vou beijar seus lábios quando você se for
Quem nesse mundo faz o que há durar
Pura semente dura: o futuro amor
Eu sou a chuva pra você secar
Pelo zunido das suas asas você me falou
O que você está dizendo?
Milhões de frases sem nenhuma cor, ôôôô...
O que você está dizendo?
Um relicário imenso deste amor
O que você está dizendo?
O que você está fazendo?
Por que que está fazendo assim?...está fazendo assim?
Desde que você chegou
O meu coração se abriu,
Hoje eu sinto mais calor
E não sinto nem mais frio,
E o que os olhos não vêm
O coração pressente,
Mesmo na saudade
Você não está ausente
E em cada beijo seu
E em cada estrela do céu
E em cada flor no campo
E em cada letra no papel
Que cor terão seus olhos
E a luz dos seu cabelo
Só sei que vou chamá-lo
De Esmael, Esmael...

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