Por Vinicius Carvalho da Silva
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"Sobre todas as coisas"

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010


Um Índio



Um índio descerá de uma estrela colorida e brilhante
De uma estrela que virá numa velocidade estonteante
E pousará no coração do hemisfério sul, na América, num claro instante
Depois de exterminada a última nação indígena
E o espírito dos pássaros das fontes de água límpida
Mais avançado que a mais avançada das mais avançadas das tecnologias
Virá, impávido que nem Muhammed Ali, virá que eu vi
Apaixonadamente como Peri, virá que eu vi
Tranqüilo e infalível como Bruce Lee, virá que eu vi
O axé do afoxé, filhos de Ghandi, virá
Um índio preservado em pleno corpo físico
Em todo sólido, todo gás e todo líquido
Em átomos, palavras, alma, cor, em gesto e cheiro
Em sombra, em luz, em som magnífico Caetano
Num ponto equidistante entre o Atlântico e o Pacífico
Do objeto, sim, resplandecente descerá o índio
E as coisas que eu sei que ele dirá, fará, não sei dizer Veloso
Assim, de um modo explícito
E aquilo que nesse momento se revelará aos povos
Surpreenderá a todos, não por ser exótico
Mas pelo fato de poder ter sempre estado oculto
Quando terá sido o óbvio

Tudo na Mente

Gabriel, O Pensador

Já passei pelo sucesso e já passei pelo fracasso / passei pelo calor e pelo frio, passei pelo mormaço / passei por muita coisa, muita casa, muito gelo, muita brasa /fiz gol contra e fiz golaço / fui pedra, vidraça, fogo, fumaça / passei pelo palanque, passei pela mordaça / passei pelo milagre e pela dor / pela ovelha desgarrada do rebanho e liberta do pastor / pela cama, pela mesa e pelo banho / pelos rituais estranhos do sexo e do amor / pela perda e pelo ganho já passei / pelo crime e pela lei / pelo inferno e pelo céu, como reú e como rei! / pelas minas onde brota o diamante e pelas minas que te explodem num instante, já passei / passei pela guerrilha e pela trégua / muita trilha, muita tralha, muita milha, muita légua / muita língua, muita lábia e muita malícia / já passei pelo boato e já passei pela notícia...

Tás a ver?


Gabriel, O Pensador

Sei que o mundo é um novelo, uma só corrente
Posso vê-lo por seus belos elos transparentes
(...)
Tás a ver a linha do horizonte?
A levitar, a evitar que o céu se desmonte
Foi seguindo essa linha
que notei que o mar
Na verdade é uma ponte

À Palo Seco

Belchior

Se você vier me perguntar por onde andei
No tempo em que você sonhava.
De olhos abertos, lhe direi:
- Amigo, eu me desesperava.
Sei que, assim falando, pensas
Que esse desespero é moda em 73.
Mas ando mesmo descontente.
Desesperadamente eu grito em português:
- Tenho vinte e cinco anos de sonho e
De sangue e de América do Sul.
Por força deste destino,
Um tango argentino
Me vai bem melhor que um blues.
Sei, que assim falando, pensas
Que esse desespero é moda em 73.
E eu quero é que esse canto torto,
Feito faca, corte a carne de vocês.

As coisas



Arnaldo Antunes

As coisas têm peso, massa, volume, tamanho, tempo, forma, cor, posição, textura, du-ração, densidade, cheiro, valor, consistência, pro-fundi-dade, contorno, temperatura, função, aparência, preço, des-tino, idade, sentido. As coisas não têm paz.

A Natureza Divina


Arnaldo Antunes e Rogério Duarte
Inexistência de medo;
Purificação da vida;
Compreensão transcedental;
Caridade; autocontrole;
Prática de sacrifícios;
Estudo dos textos védicos
Austeridade; humildade;
Não-violência; não irar-se;
Desapego; gentileza
Veracidade; renúncia;
Não gostar de ver defeitos;
Determinação; modéstia
Compaixão para com todas as entidades viventes
estar livre da cobiça;cordialidade; clemência;
Vigor; pureza; limpeza;
Não desejar ser honrado

A Alma e a Matéria

Arnaldo Antunes

Procuro nas coisas vagas, ciência
Eu movo dezenas de músculos para sorrir
Nos poros a contrair, nas pétalas do jasmim
Com a brisa que vem roçar da outra margem do mar
Procuro na paisagem, cadência
Os átomos coreografam a grama do chão
Na pele braile pra ler, na superfície de mim
Milímetros de prazer, kilômetros de paixão
Vem pra esse mundo, deus quer nascer
Há algo invisível e encantado entre eu e você
E a alma aproveita pra ser a matéria e viver
E a alma aproveita pra ser a matéria e viver

Vilarejo


Marisa Monte, Pedro Baby, Carlinhos Brown e Arnaldo Antunes

Há um vilarejo ali
Onde areja um vento bom
Na varanda, quem descansa
Vê o horizonte deitar no chão
Pra acalmar o coração
Lá o mundo tem razão
Terra de heróis, lares de mãe
Paraiso se mudou para lá
Por cima das casas, cal
Frutas em qualquer quintal
Peitos fartos, filhos fortes
Sonho semeando o mundo real
Toda gente cabe lá
Palestina, Shangri-lá
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Vem andar e voa
Lá o tempo espera
Lá é primavera
Portas e janelas ficam sempre abertas
Pra sorte entrar
Em todas as mesas, pão
Flores enfeitando
Os caminhos, os vestidos, os destinos
E essa canção
Tem um verdadeiro amorPara quando você for

Todo Carnaval Tem Seu Fim


Marcelo Camelo

Todo dia um ninguém josé acorda
já deitado
Todo dia ainda de pé o zé dorme acordado
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia
Toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado
De que o dia insiste em nascer
Mas o dia insiste em nascer
Pra ver deitar o novo
Toda rosa é rosa porque assim ela é chamada
Toda Bossa é nova e você não liga se é usada
Todo o carnaval tem seu fim
Todo o carnaval tem seu fim
E é o fim, e é o fim
Deixa eu brincar de ser feliz,
Deixa eu pintar o meu nariz
Toda banda tem um tarol, quem sabe eu não toco
Todo samba tem um refrão
pra levantar o bloco
Toda escolha é feita por quem
acorda já deitado
Toda folha elege um alguém
que mora logo ao lado
E pinta o estandarte de azul
E põe suas estrelas no azul
Pra que mudar?
Deixa eu brincar de ser feliz,
Deixa eu pintar o meu nariz

Mokiti Okada


Tencionava compor
Um poema sobre a geada.
Dorminhoco que sou,
Quando acordei,
Nem vestígios encontrei.

haiku


Bashô
"O canto das cigarras
penetra no silêncio
e nas rochas."

waka


Mokiti Okada
"A flor de lilás contempla
Suas largas folhas caídas,
Rolando, ao sabor do vento".
Poema da coletânea Yama to Mizu (Montanha e Água).1949

quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

Tristes Trópicos


Claude Lévi-Strauss

Tal como o indivíduo não está só no grupo e cada sociedade não está só entre as outras, o homem não está só no universo. Assim que o arco-íris das culturas humanas tiver acabado de afundar-se no vazio cavado pelo nosso furor; enquanto estivermos presentes e existir um mundo - esse arco ténue que nos une ao inacessível permanecerá: mostrando a via inversa à da nossa escravidão e da qual, na falta de a percorrermos, a contemplação proporciona ao homem o único favor que ele sabe merecer: suspender a marcha, reter o impulso que o obriga a tapar, uma após outra, as fendas abertas no muro da necessidade e a concluir a sua obra, ao mesmo tempo que abandona a sua prisão; esse favor que toda a sociedade ambiciona, quaisquer que sejam as suas crenças, o seu regime político e o seu nível de civilização; onde ela situa o seu ócio, o seu prazer, repouso e liberdade; oportunidade fundamental para a vida, de se desligar, e que consiste - adeus, selvagens! adeus, viagens! - durante os breves intervalos em que a nossa espécie suporta interromper a sua faina de colmeia em captar a essência do que ela foi e continua a ser, aquém do pensamento e além da sociedade: na contemplação de um mineral mais belo que todas as nossas obras; no perfume mais sábio que os nossos livros, respirado no âmago de um lírio; ou no piscar de olhos, cheio de paciência, serenidade e perdão recíproco que um entendimento involuntário permite,por vezes, trocar com um gato.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010


Liberdade

Carlos Marighella
Não ficarei tão só no campo da arte,
e, ânimo firme, sobranceiro e forte,
tudo farei por ti para exaltar-te,
serenamente, alheio à própria sorte.
Para que eu possa um dia contemplar-te
dominadora, em férvido transporte,
direi que és bela e pura em toda parte,
por maior risco em que essa audácia importe.
Queira-te eu tanto, e de tal modo em suma,
que não exista força humana alguma
que esta paixão embriagadora dome.
E que eu por ti, se torturado for,
possa feliz, indiferente à dor,
morrer sorrindo a murmurar teu nome.
foto>Vinicius Carvalho da Silva

Águas de Março


Tom Jobim

É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um caco de vidro, é a vida, é o sol
É a noite, é a morte, é o laço, é o anzol
É peroba do campo, é o nó da madeira
Caingá, candeia, é o MatitaPereira
É madeira de vento, tombo da ribanceira
É o mistério profundo, é o queira ou não queira
É o vento ventando, é o fim da ladeira
É a viga, é o vão, festa da cumeeira
É a chuva chovendo, é conversa ribeira
Das águas de março, é o fim da canseira
É o pé, é o chão, é a marcha estradeira
Passarinho na mão, pedra de atiradeira
É uma ave no céu, é uma ave no chão
É um regato, é uma fonte, é um pedaço de pão
É o fundo do poço, é o fim do caminho
No rosto o desgosto, é um pouco sozinho
É um estrepe, é um prego, é uma ponta, é um ponto
É um pingo pingando, é uma conta, é um conto
É um peixe, é um gesto, é uma prata brilhando
É a luz da manhã, é o tijolo chegando
É a lenha, é o dia, é o fim da picada
É a garrafa de cana, o estilhaço na estrada
É o projeto da casa, é o corpo na cama
É o carro enguiçado, é a lama, é a lama

É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um resto de mato, na luz da manhã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração
É uma cobra, é um pau, é João, é José
É um espinho na mão, é um corte no pé
São as águas de março fechando o verão,
É a promessa de vida no teu coração
É pau, é pedra, é o fim do caminho
É um resto de toco, é um pouco sozinho
É um passo, é uma ponte, é um sapo, é uma rã
É um belo horizonte, é uma febre terçã
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coraçãopau,
pedra, fim, caminhoresto, toco, pouco, sozinhocaco,
vidro, vida, sol, noite, morte, laço, anzol
São as águas de março fechando o verão
É a promessa de vida no teu coração.

terça-feira, 5 de janeiro de 2010

O côncavo e o convexo


Roberto e Erasmo Carlos
coincidência total do côncavo e convexo assim é nosso amor no sexo

Amor e Sexo

Amor é um livro
Sexo é esporte
Sexo é escolha
Amor é sorte...
Amor é pensamento
Teorema
Amor é novela
Sexo é cinema..
Sexo é imaginação
Fantasia
Amor é prosa
Sexo é poesia...
O amor nos torna
Patéticos
Sexo é uma selva
De epiléticos...
Amor é cristão
Sexo é pagão
Amor é latifúndio
Sexo é invasão
Amor é divino

Sexo é animal
Amor é bossa nova
Sexo é carnaval
Amor é para sempre
Sexo também
Sexo é do bom
Amor é do bem...
Amor sem sexo
É amizade
Sexo sem amor
É vontade...
Amor é um
Sexo é dois
Sexo antes
Amor depois...
Sexo vem dos outros
E vai embora
Amor vem de nós
E demora...


Rita Lee / Roberto de Carvalho / Arnaldo Jabor

Vinte e Nove


Renato Manfredine Junior
O "Renato Russo"

Perdi vinte em vinte e nove amizades
Por conta de uma pedra em minhas mãos
Embriaguei morrendo vinte e nove vezes
Só aprendendo a viver sem você
Já que você não me quer mais
passei vinte e nove meses num navio
E vinte e nove dias na prisão
E aos vinte e nove com o retorno de saturno
Decidi começar a viver
Quando você deixou de me amar
Aprendi a perdoar e a pedir perdão
E vinte e nove anjos me saudaram
E tive vinte e nove amigos outra vez

segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

Foi Um Rio Que Passou em Minha Vida



Paulinho da Viola

Não posso definir
Aquele azul
Não era do céu
Nem era do mar
Foi um rio
Que passou em minha vida
E meu coração se deixou levar

Daniel Na Cova Dos Leões

Renato Russo / Renato Rocha

Aquele gosto amargo do teu corpo
Ficou na minha boca por mais tempo
De amargo então salgado ficou doce,
Assim que o teu cheiro forte e lento
Fez casa nos meus braços e ainda leve
Forte, cego e tenso fez saber
Que ainda era muito e muito pouco.
Faço nosso o meu segredo mais sincero
E desafio o instinto dissonante.
A insegurança não me ataca quando erro
E o teu momento passa a ser o meu instante.
E o teu medo de ter medo de ter medo
Não faz da minha força confusão
Teu corpo é meu espelho e em ti navego
E eu sei que a tua correnteza não tem direção.
Mas, tão certo quanto o erro de ser barco
A motor e insistir em usar os remos,
É o mal que a água faz quando se afoga
E o salva-vidas não está lá porque
Não vemos

Casa no Campo

Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa compor muitos rocks rurais
E tenha somente a certeza
Dos amigos do peito e nada mais
Eu quero uma casa no campo
Onde eu possa ficar no tamanho da paz
E tenha somente a certeza
Dos limites do corpo e nada mais
Eu quero carneiros e cabras pastando solenes
No meu jardim
Eu quero o silêncio das línguas cansadas
Eu quero a esperança de óculos
Meu filho de cuca legal
Eu quero plantar e colher com a mão
A pimenta e o sal
Eu quero uma casa no campo
Do tamanho ideal, pau-a-pique e sapé
Onde eu possa plantar meus amigos
Meus discos e livros Zé Rodrix e Tavito
E nada mais

Carta ao Tom


Vinicius de Morais

Rua Nascimento Silva, cento e sete
Você ensinando prá Elizete
as canções de canção do amor demais
Lembra que tempo feliz, ai que saudade,
Ipanema era só felicidade
Era como se o amor doesse em paz
Nossa famosa garota nem sabia
A que ponto a cidade turvaria
este Rio de amor que se perdeu
Mesmo a tristeza da gente era mais bela
e além disso se via da janela
Um cantinho de céu e o Redentor
É, meu amigo, só resta uma certeza,
é preciso acabar com essa tristeza
É preciso inventar de novo o amor
Rua Nascimento Silva, cento e sete
Eu saio correndo do pivete
Tentando alcançar o elevador
Minha janela não passa de um quadrado
A gente só vê Sérgio Dourado
Onde antes se via o Redentor
É meu amigo só resta uma certeza
É preciso acabar com a naturezaÉ
melhor lotear o nosso amor






Lembra de Mim

Lembra de mim!
Dos beijos que escrevi
Nos muros a giz
Os mais bonitos
Continuam por lá
Documentando
Que alguém foi feliz...
Lembra de mim!
Nós dois nas ruas
Provocando os casais
Amando mais
Do que o amor é capaz
Perto daqui
Há tempos atrás...
Lembra de mim!
A gente sempre Ivan
Se casava ao luar Lins
Depois jogava
Os nossos corpos no mar &
Tão naufragados
E exaustos de amar... Vitor Martins
Lembra de mim!
Se existe um pouco
De prazer em sofrer
Querer te ver
Talvez eu fosse capaz
Perto daqui
Ou tarde demais...
Lembra de mim!...



Felicidade


Antonio C. Jobim - Vinicius de Moraes
A felicidade é como a gota
De orvalho numa pétala de flor
Brilha tranqüila
Depois de leve oscila
E cai como uma lágrima de amor.

Verdade Tropical


Caetano Veloso

“Do fundo escuro do coração solar do hemisfério sul, de dentro da mistura de raças que não assegura nem degradação nem utopia genética, das entranhas imundas (e, no entanto, saneadoras) da internacionalizante indústria do entretenimento, da ilha Brasil pairando eternamente a meio milímetro do chão real da América, do centro do nevoeiro da língua portuguesa, saem estas palavras que, embora se saibam de fato despretensiosas, são de testemunho e interrogação sobre o sentido das relações entre os grupos humanos, os indivíduos e as formas artísticas, e também das transacções comerciais e das forças políticas, em suma, sobre o gosto da vida neste final de século.”

(Fragmento do livro Verdade Tropical)

Infernal


Nando Reis
"O mundo que era o meu criado-mudo
que era onde cabe tudo
que era certo em ferro e chumbo
o que era reto, enxergo curvo
porque a era do futuro
você trouxe para mim, infernal"

Caetano Veloso


Todo dia é o mesmo dia
A vida é tão tacanha
Nada novo sob o sol
Tem que se esconder no escuro
Quem na luz se banha
Por debaixo do lençol...
Nessa terra a dor é grande
A ambição pequena
Carnaval e futebol
Quem não finge
Quem não mente
Quem mais goza e pena
É que serve de farol...
Existe alguém em nós
Em muitos dentre nós
Esse alguém
Que brilha mais do que
Milhões de sóis
E que a escuridão
Conhece também...
Existe alguém aqui
Fundo no fundo de você
De mim
Que grita para quem quiser ouvir
Quando canta assim...
Toda noite é a mesma noite
A vida é tão estreita
Nada de novo ao luar
Todo mundo quer saber
Com quem você se deita
Nada pode prosperar...
É domingo, é fevereiro
É sete de setembro
Futebol e carnaval
Nada muda, é tudo escuro
Até onde eu me lembro
Uma dor que é sempre igual...

Metal contra as nuvens



Renato Manfredine Junior

Viajamos sete léguas
Por entre abismos e florestas
Por Deus nunca me vi tão só
É a própria fé o que destrói.
Estes são dias desleais.
Sou metal - raio, relâmpago e trovão
Sou metal, eu sou o ouro em seu brasão
Sou metal: me sabe o sopro do dragão.
Reconheço o meu pesar:
Quando tudo é traição,
O que venho encontrar
É a virtude em outras mãos.
Mas minha terra é a terra que é minha
E sempre será minha terra
Tem a lua, tem estrelas e sempre terá.

Quase sem querer


Renato Manfredine Junior

Tão correto e tão bonito:
O infinito é realmente
Um dos deuses mais lindos.
Sei que às vezes uso
Palavras repetidas
Mas quais são as palavras
Que nunca são ditas?

Serreníssima


Renato Manfredine Junior

"Minha laranjeira verde, por que está tão prateada?
Foi da lua dessa noite, do sereno da madrugada?"

O livro dos Dias


Renato Russo

Ausente o encanto antes cultivado
Percebo o mecanismo indiferente
Que teima em resgatar sem confiança
A essência do delito então sagrado
Meu coração não quer deixar
Meu corpo descansar
E teu desejo inverso é velho amigo
Já que o tenho sempre a meu lado
Hoje estão aceitas pelo nome
O que perfeito entregas mas é tarde
Só daria certo aos dois que tentam
Se ainda embriagado pela fome
Exatos teu perdão e tua idade
O indulto a ti tomasse como bênção
Não esconda tristeza de mim
Todos se afastam quando o mundo está errado
Quando o que temos é um catálogo de erros
Quando precisamos de carinho
Força e cuidado
Este é o livro das flores
Este é o livro do destino
Este é o livro de nossos dias
Este é o dia de nossos amores

Consciência Cósmica

GUIMARÃES ROSA
Já não preciso de rir.
Os dedos longos do medo
largaram minha fronte.
E as vagas do sofrimento me arrastaram
para o centro do remoinho da grande força,
que agora flui, feroz, dentro e fora de mim...
Já não tenho medo de escalar os cimos
onde o ar limpo e fino pesa para fora,
e nem deixar escorrer a força de dos meus músculos, e deitar-me na lama, o pensamento opiado...
Deixo que o inevitável dance, ao meu redor,
a dança das espadas de todos os momentos.
e deveria rir , se me retasse o riso,
das tormentas que poupam as furnas da minha alma, dos desastres que erraram o alvo do meu corpo...

Poema Sujo


Ferreira Gullar

turvo
turvo a turva mão
do sopro contra o muro escuro
menos menos menos que escuro
menos que mole e duro
menos que fosso e muro: menos que furo
escuro

A Morte — O Sol do Terrível


Ariano Suassuna

Mas eu enfrentarei o Sol divino,
o Olhar sagrado em que a Pantera arde.
Saberei porque a teia do Destino
não houve quem cortasse ou desatasse.
Não serei orgulhoso nem covarde,
que o sangue se rebela ao toque e ao Sino.
Verei feita em topázio a luz da Tarde,
pedra do Sono e cetro do Assassino.
Ela virá, Mulher,
afiando as asas,com os dentes de cristal,
feitos de brasas,e há de sagrar-me a vista o Gavião.
Mas sei, também,
que só assim verei a coroa da Chama e Deus, meu Rei, assentado em seu trono do Sertão.

Cora Coralina

Não sei... Se a vida é curta Ou longa demais pra nós, Mas sei que nada do que vivemos Tem sentido, se não tocamos o coração das pessoas. Muitas vezes basta ser: Colo que acolhe, Braço que envolve, Palavra que conforta, Silêncio que respeita, Alegria que contagia, Lágrima que corre, Olhar que acaricia, Desejo que sacia, Amor que promove. E isso não é coisa de outro mundo, É o que dá sentido à vida. É o que faz com que ela Não seja nem curta, Nem longa demais, Mas que seja intensa, Verdadeira, pura... Enquanto durar


Cecília Meireles

Eu canto porque o instante existe
e a minha vida está completa.
Não sou alegre nem sou triste:sou poeta.
Irmão das coisas fugidias,não sinto gozo nem tormento.
Atravesso noites e diasno vento.
Se desmorono ou se edifico,se permaneço ou me desfaço,- não sei, não sei.
Não sei se fico ou passo.
Sei que canto. E a canção é tudo.
Tem sangue eterno a asa ritmada.
E um dia sei que estarei mudo:- mais nada.
Carlos Drummond de Andrade

Chega um tempo em que não se diz mais: meu Deus.
Tempo de absoluta depuração.
Tempo em que não se diz mais: meu amor.
Porque o amor resultou inútil.
E os olhos não choram.
E as mãos tecem apenas o rude trabalho.
E o coração está seco.
Em vão mulheres batem à porta, não abrirás.
Ficaste sozinho, a luz apagou-se,mas na sombra teus olhos resplandecem enormes.
És todo certeza, já não sabes sofrer.
E nada esperas de teus amigos.
Pouco importa venha a velhice, que é a velhice?
Teus ombros suportam o mundoe ele não pesa mais que a mão de uma criança.
As guerras, as fomes, as discussões dentro dos edifíciosprovam apenas que a vida prosseguee nem todos se libertaram ainda. Alguns, achando bárbaro o espetáculo, prefeririam (os delicados) morrer. Chegou um tempo em que não adianta morrer. Chegou um tempo em que a vida é uma ordem. A vida apenas, sem mistificação.

Manifesto Pau Brasil



OSWALD DE ANDRADE

"A poesia existe nos fatos. Os casebres de açafrão e de ocre nos verdes da Favela, sob o azul cabralino, são fatos estéticos."

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